Cecília e os Capitães: sobra equilíbrio e falta ousadia em nova adaptação da obra de Jorge Amado

06/10/2011

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Por Marcos Pierry

A jovem Cecília Amado ama sua recém-adquiridapatente de diretora estreante. Não é para menos. A filha de Paloma, para dar partida a carreira de longa-metragista de ficção, escolheu transpor ao écran o romance Capitães da Areia (1937), um dos best sellers do avô Jorge. E o filme, nesta alvissareira pré-estação brasileira de lançamentos, chega mais que bem na fita, programado em 200 salas na semana de estreia e marcando posição como um dos destaques do centenário do nascimento de Jorge, em 2012. A ficção e os personagens do escritor já ocupam, no entanto, uma vida pregressa no campo das imagens em movimento.

Ora sob a batuta mais autoral de um Nelson Pereira dos Santos, ora sob o exotismo estetizante de um Marcel Camus, não importa. Desde a primeira adaptação, de Terras dos Sem Fim, ainda nos anos 40, dirigida por um norte-americano (Eddy Bernoudy), são produções que invariavelmente seguem a cartilha do autor grapiúna e não à toa tem espaço cativo na televisão: temas e tipos populares a partir de uma abordagem transparente, sem muita firula de linguagem, para agradar às massas.

Neste particular, Cecília dá conta da receita e com folga. Deve conhecer em profundidade a obra de Jorge, enriquecida dos providenciais bastidores de família, e possui extensa experiência na função de continuísta ou assistente de diretores como Sérgio Rezende, Cacá Diegues e Halvécio Ratton, sem falar do trabalho em séries televisivas. Pedro Bala, Dora, Gato, Dalva e demais personagens são apresentados de modo eficiente, com elenco mirim de forte carisma e uma ação fluente, forjada com organicidade na maior parte do tempo graças à base segura que os departamentos técnicos lhe proporcionam – montagem, fotografia, arte etc., tudo super ok.

Há, sem dúvida, um padrão de qualidade que revela uma cineasta amadurecida, que optou por trabalhar sempre nos sobre-tons. E justo aí, nessa frequência de padrões médios, o filme se acomoda, com sério risco de permanecer na promessa de potência, sem envolver por completo o espectador. Tudo está tão no lugar, tão fotometrado e equalizado, que nos falta o desvio, a firula formal, ainda mais considerando o posfácio quase biônico que arremata a trama.

O roteiro de Hilton Lacerda vai fluido até certo ponto, mas tropeça ao não conseguir amarrar a estrutura proposta em multiplot, armadilha legada pelo próprio respiro do original literário. É como se os personagens brigassem com a história a ser contada e levassem a melhor. Esse pequeno vacilo na escrita da dramaturgia acaba por abrir um flanco de outros questionamentos, não necessariamente de vetor negativo, mas que decididamente reduzem o impacto do filme.

Pegunta-se, por exemplo, o porquê do sotaque enxuto nas falas de tipos de baianidade inconteste, das cores filtradas em tom pastel da fotografia em terra de brilho solar, da assepsia na abordagem de um possível olhar social. Ao que parece, apenas a verve criativa de Carlinhos Brown e Alê Siqueira, que arrebentam na trilha sonora, escapou da contenção de Cecília. A dupla confere uma exuberância à narrativa talvez presente nas imagens apenas na sequência do canavial, a melhor do filme. Chega a ser, por paradoxo, uma ousadia a diretora manter sob rédea tão curta a sensualidade das personagens femininas, como ocorre a Dalva. Onde está a volúpia, as curvas de Amado? Uma adaptação tem essas obrigações? Sonia Braga vai gostar disso? O espectador sai se perguntando, mesmo que observe um valor na inflexão de um olhar novo, o feminino, para as adaptações da obra do escritor baiano.

E-mail: marcospierry@yahoo.com.br

2 Respostas to “Cecília e os Capitães: sobra equilíbrio e falta ousadia em nova adaptação da obra de Jorge Amado”

  1. FATIMA AMORIM Says:

    Pierry,

    Ótimo texto. Vou conferir o filme. Por que você não está mais assíduo no blog?

    Fátima Amorim

  2. artur carmel Says:

    Durante os 15, 20 primeiros minutos do filme, a vontade que deu foi de ir embora. Perdidíssima, a direção da película. Concordo tb com a falta de ‘curvas’ e emoções amadianas. Até a própria trilha se encaixa apenas em poucos momentos. Acho que economizaram tb ao não mostrar mais lugares e paisagens baianas. Sem falar num erro de contionuidade tremendo: Pedro Bala anda na noite, pede para alguyém acender seu cigarro e…corta para o garoto todo cheio de porrada. Podia ter sido melhor.


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