por Marcos Pierry
Fotógrafo, nascido em Belo Horizonte, mas radicado há bastante tempo no Rio de Janeiro, Renato Menezes foi um apaixonado pela história de Lagoa Santa. Depois de muitos anos de trabalho e persistência, Menezes concluiu em 2013 a produção de seu primeiro e único longa-metragem como diretor, O Homem de Lagoa Santa.
Coisa muito triste: Renato faleceu no dia 24 de junho, de maneira inesperada e repentina, na capital carioca. Sentiu dores, foi ao hospital fazer exames, precisou de uma cirurgia, fez a intervenção, o quadro se complicou e o cineasta não resistiu.
Sua partida pegou todos de surpresa – a esposa Lina, o filho Damião e os outros familiares, além dos inúmeros amigos do Rio e de Minas. Renato parecia estar bem de saúde e andava mais animado que o de costume nos últimos meses. Lagoa Santa tinha a ver com isso.
Ele realizou o sonho de exibir o filme na cidade, com platéia numerosa e ávida, na noite de 17 de dezembro passado. Mais de 300 pessoas lotaram o auditório da Escola Municipal Dr. Lund e, emocionadas, assistiram a recriação de Renato para o encontro do dinamarquês Lund com a riqueza natural, o povo e os costumes da região que o tornaria um pioneiro da paleontologia.
Peter Lund (1801-1880) chegou à Lagoa Santa em 1833, em busca de um clima ameno que lhe evitasse a tuberculose. Entre 1840 e 1843, Lund encontrou dezenas de crânios humanos em estado fóssil, um deles, na Gruta do Sumidouro, de aproximadamente 12 mil anos.
A descoberta reabriu as discussões sobre a origem do homem nas Américas e foi um dos motivos que fizeram do cientista um nome de peso, respeitado, entre outros pares, pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), autor da célebre Teoria da Evolução.
De personalidade singular, Lund, formado em medicina, aliava às prospecções científicas o seu envolvimento crescente com a população local. Fazia consultas gratuitamente, ajudava a alforriar escravos, promovia festas e tomava parte nos eventos da própria comunidade. Outro fato que costuma ser mencionado em suas biografias é a troca de cartas com o importante filósofo, também dinamarquês, Soren Kierkegaard (1813-1855).
Uma história e tanto – quem mora em Lagoa Santa se acostuma a conviver com essa moral diferenciada, não da pura beleza da paisagem, mas do conhecimento dela extraído – que impressionou inúmeros artistas, dentre eles, o poeta Carlos Drummond de Andrade, e também cineastas, como Nelson Pereira dos Santos, que já desejou filmar o percurso de Lund, além de outros dois, que levaram Lagoa Santa e o dinamarquês para as telas: Humberto Mauro, em 1942, e José Sette de Barros, em 1978.
A eles se junta o nome de Renato Menezes, que, com o seu O Homem de Lagoa Santa, misturou com graça elementos ficcionais e documentais para narrar a paixão de uma grande figura do Velho Mundo por um lugar de especial magnetismo no horizonte das Geraes do Novo Mundo.
Renato fez parte da equipe que trabalhou com José Sette no curta-metragem de 78. E bem antes do ano de 2001, quando rodou as primeiras imagens de seu longa, já batalhava para fazer do projeto uma realidade. O Homem de Lagoa Santa foi produzido pelo Grupo Novo de Cinema e TV.
No elenco, estão os atores Chico Anibal, Luiz Hippert e artistas de Lagoa Santa, como Gercino Alves. O texto narrado em off pelo ator Marcos Caruso foi escrito por Silviano Santiago. Alguns outros créditos: a fotografia de Luiz Abramo, a música de Guilherme Vaz Pereira, a direção de arte de Sérgio Silveira e a montagem de Marta Luz.
A arqueóloga Rosângela Albano, do CAALE (Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire), e o paleontólogo Castor Castelle prestaram consultoria técnico-científica à produção. Tive a satisfação pessoal de dar uma força ao CAALE para viabilizar a sessão realizada em dezembro, que foi organizada pelo Centro.
Além do prazer de ver o filme reluzindo na tela, após zerarmos uma série de detalhes ao longo de semanas, fui recompensado com a alegria de ter conhecido o Renato por ocasião dessa projeção. Conversamos bastante eu, ele e o historiador Cleito Ribeiro, do CAALE, com quem pilotei a sessão.
Cinema, projetos futuros, uma possível estreia do longa em circuito agora em 2014, vida pessoal, cinema, minhas pesquisas sobre experimentalismo e o exercício da crítica, cinema, Julio Bressane, cinema, o período do exílio voluntário dele em Londres, cinema, a convivência e o aprendizado com mestres do cinema brasileiro, cinema, Rio de Janeiro, Bahia, Lagoa Santa, cinema, cinema, cinema…
Assunto não faltou naqueles encontros que antecederam a exibição. Nem a promessa de novo encontros – para uma entrevista quando ele retornasse à Lagoa Santa; para lhe expor o que achei do filme e me apresentar sua turma quando eu fosse ao Rio.
Outro dia, na feirinha de artesanato que acontece aos domingos na avenida Getúlio Vargas, às margens da Lagoa Central, alguém me chama: era Lina, que sempre está por aqui para visitar a família, com o catálogo de uma mostra (A História da Filosofia em 40 Filmes) que o Renato havia pedido para me entregar. Tinha certeza de que eu iria curtir.
Era assim o camarada. Papo firme, jeitão leve e capaz dessas pequenas gentilezas que fazem a vida valer a pena. Refiz, diante de Lina, a promessa de procurá-lo quando eu fosse ao Rio, algo que não tardaria. Estive lá na virada de maio para junho, mas não cumpri o prometido – nenhuma agenda de trabalho, por mais carregada, poderia justificar o lapso indelicado. Nunca vou me perdoar por isso. Agora somente quando (e se) eu chegar aí em cima, Renato. Foi mal.
Marcos Pierry é cineasta, crítico e professor de cinema.