Archive for the 'Cinestesia / por Marcos Pierry' Category

O assunto é cinema: O Homem de Lagoa Santa

08/07/2014
Intervalo das gravações:Diretor Renato,Rosangela Albano e o ator Chico Aníbal.

Intervalo das gravações:Diretor Renato,Rosangela Albano e o ator Chico Aníbal.

por Marcos Pierry

Fotógrafo, nascido em Belo Horizonte, mas radicado há bastante tempo no Rio de Janeiro, Renato Menezes foi um apaixonado pela história de Lagoa Santa. Depois de muitos anos de trabalho e persistência, Menezes concluiu em 2013 a produção de seu primeiro e único longa-metragem como diretor, O Homem de Lagoa Santa.

Coisa muito triste: Renato faleceu no dia 24 de junho, de maneira inesperada e repentina, na capital carioca. Sentiu dores, foi ao hospital fazer exames, precisou de uma cirurgia, fez a intervenção, o quadro se complicou e o cineasta não resistiu.

Sua partida pegou todos de surpresa – a esposa Lina, o filho Damião e os outros familiares, além dos inúmeros amigos do Rio e de Minas. Renato parecia estar bem de saúde e andava mais animado que o de costume nos últimos meses. Lagoa Santa tinha a ver com isso.

Ele realizou o sonho de exibir o filme na cidade, com platéia numerosa e ávida, na noite de 17 de dezembro passado. Mais de 300 pessoas lotaram o auditório da Escola Municipal Dr. Lund e, emocionadas, assistiram a recriação de Renato para o encontro do dinamarquês Lund com a riqueza natural, o povo e os costumes da região que o tornaria um pioneiro da paleontologia.

Peter Lund (1801-1880) chegou à Lagoa Santa em 1833, em busca de um clima ameno que lhe evitasse a tuberculose. Entre 1840 e 1843, Lund encontrou dezenas de crânios humanos em estado fóssil, um deles, na Gruta do Sumidouro, de aproximadamente 12 mil anos.

A descoberta reabriu as discussões sobre a origem do homem nas Américas e foi um dos motivos que fizeram do cientista um nome de peso, respeitado, entre outros pares, pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), autor da célebre Teoria da Evolução.

De personalidade singular, Lund, formado em medicina, aliava às prospecções científicas o seu envolvimento crescente com a população local. Fazia consultas gratuitamente, ajudava a alforriar escravos, promovia festas e tomava parte nos eventos da própria comunidade. Outro fato que costuma ser mencionado em suas biografias é a troca de cartas com o importante filósofo, também dinamarquês, Soren Kierkegaard (1813-1855).

Uma história e tanto – quem mora em Lagoa Santa se acostuma a conviver com essa moral diferenciada, não da pura beleza da paisagem, mas do conhecimento dela extraído – que impressionou inúmeros artistas, dentre eles, o poeta Carlos Drummond de Andrade, e também cineastas, como Nelson Pereira dos Santos, que já desejou filmar o percurso de Lund, além de outros dois, que levaram Lagoa Santa e o dinamarquês para as telas: Humberto Mauro, em 1942, e José Sette de Barros, em 1978.

A eles se junta o nome de Renato Menezes, que, com o seu O Homem de Lagoa Santa, misturou com graça elementos ficcionais e documentais para narrar a paixão de uma grande figura do Velho Mundo por um lugar de especial magnetismo no horizonte das Geraes do Novo Mundo.

Renato fez parte da equipe que trabalhou com José Sette no curta-metragem de 78. E bem antes do ano de 2001, quando rodou as primeiras imagens de seu longa, já batalhava para fazer do projeto uma realidade. O Homem de Lagoa Santa foi produzido pelo Grupo Novo de Cinema e TV.

No elenco, estão os atores Chico Anibal, Luiz Hippert e artistas de Lagoa Santa, como Gercino Alves. O texto narrado em off pelo ator Marcos Caruso foi escrito por Silviano Santiago. Alguns outros créditos: a fotografia de Luiz Abramo, a música de Guilherme Vaz Pereira, a direção de arte de Sérgio Silveira e a montagem de Marta Luz.

A arqueóloga Rosângela Albano, do CAALE (Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire), e o paleontólogo Castor Castelle prestaram consultoria técnico-científica à produção. Tive a satisfação pessoal de dar uma força ao CAALE para viabilizar a sessão realizada em dezembro, que foi organizada pelo Centro.

Além do prazer de ver o filme reluzindo na tela, após zerarmos uma série de detalhes ao longo de semanas, fui recompensado com a alegria de ter conhecido o Renato por ocasião dessa projeção. Conversamos bastante eu, ele e o historiador Cleito Ribeiro, do CAALE, com quem pilotei a sessão.

Cinema, projetos futuros, uma possível estreia do longa em circuito agora em 2014, vida pessoal, cinema, minhas pesquisas sobre experimentalismo e o exercício da crítica, cinema, Julio Bressane, cinema, o período do exílio voluntário dele em Londres, cinema, a convivência e o aprendizado com mestres do cinema brasileiro, cinema, Rio de Janeiro, Bahia, Lagoa Santa, cinema, cinema, cinema…

Assunto não faltou naqueles encontros que antecederam a exibição. Nem a promessa de novo encontros – para uma entrevista quando ele retornasse à Lagoa Santa; para lhe expor o que achei do filme e me apresentar sua turma quando eu fosse ao Rio.

Outro dia, na feirinha de artesanato que acontece aos domingos na avenida Getúlio Vargas, às margens da Lagoa Central, alguém me chama: era Lina, que sempre está por aqui para visitar a família, com o catálogo de uma mostra (A História da Filosofia em 40 Filmes) que o Renato havia pedido para me entregar. Tinha certeza de que eu iria curtir.

Era assim o camarada. Papo firme, jeitão leve e capaz dessas pequenas gentilezas que fazem a vida valer a pena. Refiz, diante de Lina, a promessa de procurá-lo quando eu fosse ao Rio, algo que não tardaria. Estive lá na virada de maio para junho, mas não cumpri o prometido – nenhuma agenda de trabalho, por mais carregada, poderia justificar o lapso indelicado. Nunca vou me perdoar por isso. Agora somente quando (e se) eu chegar aí em cima, Renato. Foi mal.

Marcos Pierry é cineasta, crítico e professor de cinema.

O sucesso no cinema do Rei Roberto Carlos

26/05/2013

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À sua imagem e semelhança: expressão mais visível do cinema da jovem guarda, filmes do rei Roberto Carlos marcaram uma geração.

Por Marcos Pierry

A presença de astros da música popular no mundo do cinema é estratégia recorrente de produtores, diretores e dos próprios artistas, instados a fustigar qualquer brecha de massificação conforme a vigência de modelos bem específicos de circulação da arte a partir do pós-Guerra. Uma das ações de peso do modelo cultural pautado pela pressão de um potencial de mercado busca, justamente, fazer do que se torna sucesso em uma mídia fenômeno de vendas em outro meio de comunicação.

A migração do disco para a película encontra em Elvis Presley um de seus expoentes, ainda em um tempo em que as ondas do rádio pareciam falar mais alto que a imagem da TV. Do diretor Michael Curtiz, o mesmo de Casablanca, a produção de 1958 Balada Sangrenta traz o rei do rock a enfrentar as vilanices do personagem de Walter Matthau, a quem o público das comédias se acostumou a ver como o parceiro de Jack Lemmon. Gogó e quadris a postos, o roqueiro topetudo estreou em 1956, com Love me Tender, e iria estrelar três dezenas de filmes, incluindo Saudades de Um Pracinha, O Seresteiro de Acapulco, Ame um Pouquinho Viva um Pouquinho e diversos outros que embalariam matinês nas salas de projeção e, décadas depois, esquentariam a programação televisiva. Continue lendo »

Doce amargo da vida ganha sabor em O Mistério de Lulu

28/02/2013

lulu

Por Marcos Pierry

Já se foi o tempo em que as bancas de revista vendiam apenas revistas e jornais. Do cigarro e do dropes, passaram também a oferecer fichas telefônicas, filmes fotográficos, fitas VHS – os três hoje peças de museu – e ainda livros, CDs e, o que interessa aqui, DVDs de bons filmes. Ao correr os olhos nas bancas, o leitor, ou cinéfilo, pode ter a surpresa de encontrar um Fellini, um Eric Rohmer ou um legítimo Charlie Chaplin dando sopa. Quase sempre a um preço convidativo.

O Mistério de Lulu (98) foi uma dessas surpresas, encontrada dias atrás. O norte-americano Paul Auster já era um escritor reconhecido quando se envolveu com o cinema. Seus contos, romances e crônicas renovaram o fetiche nova-iorquino e ele tinha tomado parte em dois filmes de êxito – Cortina de Fumaça e Sem Fôlego, ambos em parceria com Wayne Wang – antes de dirigir essa produção. Continue lendo »

Pierre Perrault: primeiras impressões e alguns palpites

13/07/2012
Em cartaz na Sala Walter da Silveira, a partir desta sexta-feira (13), mostra imperdível do documentarista canadense Pierre Perrault.
Por Marcos Pierry
Conhecer Pierre Perrault (1927-1999) é transpor certo lugar-comum da cinematografia canadense, há muito refém do brilho isolado de nomes como Denys Arcand e David Cronenberg. Fora das quatro paredes, e da segurança, de um estúdio, o documentarista pratica sua não-ficção contemporâneo e favorável ao cinema direto, passando longe de qualquer artifício do filme clássico, conduzindo seus temas por personagens e cenários reais para produzir, com poucos equipamentos e pessoal reduzido, “uma verdade” desse encontro. Continue lendo »

Ouro Preto e os descaminhos da memória filmográfica

26/06/2012

Foto: Victor Schwaner

Por Marcos Pierry

Apesar de contar com 70 filmes em sua sétima edição, finalizada segunda-feira 25, a Mostra de Cinema de Ouro Preto – CineOP, que tem como lema o “cinema patrimônio”, investe alto em uma programação de seminários, debates e workshops voltados ao universo da memória cinematográfica – restauração, preservação e difusão, além de áreas afins e/ou implicadas, como a formação e educação e a elaboração, aplicação e gerenciamento de políticas públicas para o setor. À pauta afiada, soma-se o plantel de especialistas, a começar pelo francês Alain Bergala, talvez o mais ilustre entre os presentes em 2012. Continue lendo »

O Artista: triunfo do clichê e discussão de linguagem

24/05/2012

Por Marcos Pierry

para o Jimi e a pequena Maysa

Com centenas de prêmios e indicações (Cannes, Globo de Ouro, Oscar, Bafta, Goya…), O Artista – uma produção franco-belga, de orçamento considerado modesto (entre US$ 15 e US$ 20 milhões), dirigida pelo francês, de origem lituana, Michel Hazanavicius – tem todos os ingredientes de um filme de sucesso do século passado: o galã, a mocinha, o vilão, uma história de amor e plots de melodrama e aventura que convergem para um desfecho esperado, previsto, e, por isso mesmo, extremamente palatável para o público médio. E, com um tom geral, presidindo a narrativa, de comédia romântica da linhagem de um Frank Capra em Aconteceu Naquela Noite (1934).

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Samba, Riachão!

28/12/2011

Por Marcos Pierry

Para uns, Clementino Rodrigues é um compositor pueril. Para outros, um moleque solto na vida. E há quem ache os seus sambas uma coisa mordente. Vão direto na veia. Clementino é o nonagenário sambista baiano Riachão, em nome de quem o cineasta Jorge Alfredo concebeu o documentário Samba Riachão. O filme se propõe, na verdade, a um exercício investigativo sobre o artista e ao mesmo tempo sobre o gênero musical que este animado bamba de Salvador pratica há mais de cinqüenta anos. Continue lendo »

Dawson Isla 10: engajamento sob as rédeas do lirismo

25/11/2011

Cineasta chileno Miguel Littin

Por Marcos Pierry

O que esperar se você é um dos ministros de um país que sofre golpe de estado, tem seu presidente assassinado e acaba indo parar no degredo de uma ilha gelada? Sergio Bitar, integrante da equipe ministerial de Salvador Allende, foi um dos que suportaram e (sobre)viveram para contar essa história real do povo chileno, levada às telas com paixão e algo de thriller pelo cineasta Miguel Littín no longa-metragem Dawson Isla 10. Continue lendo »

Cassino do Vladimir vai além da nostalgia ploc e revela uma geração

26/10/2011
Por Marcos Pierry*
Quem tinha 15, 17 ou uns 30 e poucos anos na década de 80 há de facilmente se identificar com os depoimentos e, mais ainda, as músicas que aparecem em Rock Brasília – Era de Ouro. O novo filme do documentarista paraibano Vladimir Carvalho põe o espectador na ante-sala de uma baita nostalgia, a superar com folga o repertório de qualquer festa ploc, no melhor sentido da expressão. Estão na tela, em generosas e reveladoras entrevistas, os heróis que colocaram a capital federal no mapa da música popular jovem brasileira: Renato Russo e sua Legião Urbana, Dinho e o Capital Inicial, Phillippe Seabra e a Plebe Rude, além de um carioquíssimo Paralamas do Sucesso, em fins dos 80, graciosamente reivindicando antepassados e filiações candangas.

Cecília e os Capitães: sobra equilíbrio e falta ousadia em nova adaptação da obra de Jorge Amado

06/10/2011

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Por Marcos Pierry

A jovem Cecília Amado ama sua recém-adquiridapatente de diretora estreante. Não é para menos. A filha de Paloma, para dar partida a carreira de longa-metragista de ficção, escolheu transpor ao écran o romance Capitães da Areia (1937), um dos best sellers do avô Jorge. E o filme, nesta alvissareira pré-estação brasileira de lançamentos, chega mais que bem na fita, programado em 200 salas na semana de estreia e marcando posição como um dos destaques do centenário do nascimento de Jorge, em 2012. A ficção e os personagens do escritor já ocupam, no entanto, uma vida pregressa no campo das imagens em movimento.

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24/07/2011

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Valeu, Miguel

04/06/2011

Foto de Miguel Rio Branco

Por Marcos Pierry

No interessante conjunto de obras da 29a. Bienal de São Paulo, que aportou no Museu de Arte Moderna da Bahia, sobressai aos olhos de quem é soteropolitano, de certidão ou de coração, um curta-metragem de 20 minutos que o fotógrafo espanhol-novaiorquino-carioca Miguel Rio Branco rodou no Pelourinho no final da década de 70. O filme se chama “Nada Levarei Qundo Morrer Aqueles Que Mim Devem Cobrarei no Inferno” (sic). O curta apresenta, na verdade, uma combinação de um registro fotográfico (inferninhos, fachadas e ruas da região) que o artista fez e em seguida filmou e de imagens em movimento, muitas vezes dos mesmos lugares e pessoas, produzidas por dois colaboradores. Tudo em 16mm.

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Mondo Cannes devora Von Trier

24/05/2011

Foto: blogs.diariodepernambuco.com.br

Por Marcos Pierry

Final dos anos 30. Orson Welles em depoimento à polícia e às câmeras: “estamos profundamente chocados e lamentamos muito as consequências da transmissão de ontem; eu não imaginava que fossem achar que era verdade, fiquei terrivelmente chocado quando fiquei sabendo o que causou”. Tentava o futuro diretor de Kane justificar a ainda hoje incrível pilhéria sobre um ataque extra-terrestre levando horror aos lares norte-americanos, que, à força de uma verossímil dramaturgia jornalística, conseguira emplacar nas ondas da CBS Radio em uma tarde de domingo.

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Sem limites pra sonhar

18/05/2011

Por Marcos Pierry
Quase nada pode ser dito com muita certeza sobre Mário José Breves Rodrigues Peixoto. Nos acostumamos a pensar assim, não obstante caminhar às dezenas o número de livros dedicados a ele e ao seu único filme realizado: Limite. A primeira projeção teria acontecido no Cinema Capitólio, Cinelândia, Rio de Janeiro, há exatos 80 anos, em 17 de maio de 1931. Ou teria sido, apontam outras fontes, em quatro de maio? E o próprio Mário, a quem se atribui 1908 como ano de nascimento, teria deflagrado a produção mal completara os 18 ou somente após 20 anos?
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Filme-Arara

05/05/2011

Por Marcos Pierry

No jargão da imprensa, o termo arara costuma designar os jornais que, belos na apresentação visual de textos e imagens, são fracos no conteúdo. E não é que a carapuça ajusta-se direitinho ao blockbuster Rio? A produção da Fox, dirigida pelo brasileiro Carlos Saldanha, de A Era do Gelo, estreou no país no dia seguinte à tragédia de Realengo, que deixou um obituário de 13 nomes pelos corredores de uma escola pública do Rio de Janeiro.

As 1008 salas que projetaram o filme pelo Brasil no fim de semana de estréia (8, 9 e 10 de abril) obtiveram, cada uma, a média de 90 espectadores por sessão. É uma taxa de ocupação, em torno de um terço, bem aquém do padrão prometido por um arrasa-quarteirão.

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Maldita première: Rio perderá para Realengo?

13/04/2011

Por Marcos Pierry*

Consumada na véspera da estreia mundial da animação em longa-metragem Rio, a tragédia de Realengo sufoca, à queima-roupa, a promissora largada do filme blockbuster de Carlos Saldanha nas salas brasileiras. A produção em 3D da Fox, sobre um pássaro tropical azul que vive nos EUA e retorna à cidade maravilhosa em busca de seu par romântico, é toda superlativo. Custou US$ 80 milhões, ocupa no começo da temporada mais de 1.000 cinemas (metade do circuito exibidor nacional) e tem potencial imediato, anunciam as estimativas, de vender 160 milhões de ingressos ao redor do globo. Continue lendo »